CINQUENTA ANOS ATRÁS...
EU ESTAVA LÁ! ONDE?
Por ANTONIO MIRANDA
Não devia declarar... Mas vou completar 78 anos em agosto de 2018. Eu sou mais velho que Brasília? Não e não. Brasília era uma aspiração dos que lutaram pela Independência do Brasil, o sonho dos que desejaram a interiorização do Brasil e a aspiração de JK... Aliás ele confessou que foi cobrado em um comício em Goiás, durante a campanha presidencial que o levou ao Catete. Perguntaram que, se ele jurava uma fidelidade às aspirações nacionalistas do Brasil, deveria construir Brasília. E ele seguiu o conselho, ou a cobrança do eleitor.
Mas eu deixei o Brasil na época da ditadura militar. Por certo, para a fuga eu consegui uma carona em um voo militar brasileiro para o Equador, com escalas em Brasília e Manaus... Tive, então, a oportunidade de passar um dia na Nova Capital! Manaus eu já conhecia, mas aconteceu uma pane no avião e passamos uns dias na Amazônia peruana antes de chegar a Quito, e de lá seguir até Caracas, cruzando o território colombiano. Foi na Venezuela, onde vivi sete anos, que completei meus estudos em Bibliotecología, e depois, meia pós-graduação em Filosofia. Não completei porque a Universidad Central de Venezuela foi invadida pelos militares. Meses antes eu fui preso no mesmo momento que Darcy Ribeiro. Ele foi desterrado de volta para o sul do continente, eu fui retirado da prisão pelo cônsul brasileiro Alberto da Costa de Silva.
Mas o que eu queria mesmo revelar aqui era outra coisa... 1968 foi o ano de um festival de música que marcou a nossa cultura. Foi no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. Os vencedores do festival foram os nossos (já então) consagrados Tom Jobim e Chico Buarque, com a composição Sabiá. Quando o jurado revelou o resultado, foi vaiado. Vaiaram dois dos nossos gênios musicais!!! Eu estava lá. Havia chegado ao Rio depois de uma longa viagem por terra desde a Venezuela, cruzando a Colômbia, o Perú, etc, entrando no Brasil por Corumbá e, de trem — que já foi desativado — até São Paulo e Rio de Janeiro. Viagem memorável. Mas também memorável foi assistir ao Festival... Em plena ditadura militar, o público cantando a música de Geraldo Vandré... Não sabia o que explicar para meu companheiro de viagem, o venezuelano Gustavo Gutiérrez! Ele sabia quem eram Chico e Tom Jobim... Na saída do estádio, o povo cantando: "Vem, vamos embora..." e "quem sabe faz a hora, não espera acontecer".
Para concluir esta história, em 1968 eu estava escrevendo "Tu País está Feliz". Dois ou três poemas foram traduzidos de poemas antigos que eu escrevera quando vivia no Rio de Janeiro. E os demais escritos em castelhano, no impulso da emoção do movimento estudantil de 1968 que agitou Paris e o mundo.
Ao regressarmos a Caracas comecei a trabalhar no projeto de montagem do espetáculo poético-musical. Não foi fácil conseguir pois alguns dos maiores diretores rejeitaram... Até que Gustavo Gutiérrez, o jovem que viera comigo ao Rio de Janeiro, me levou à casa do jovem compositor Xulio Formoso e começamos as parcerias musicais. Depois fomos conversar com o diretor argentino Carlos Gimenez no café do Ateneo de Caracas. Ele ficou entusiasmado com o projeto e começou a montagem, paralelamente a uma grande montagem que dirigia no teatro do Ateneo. Estávamos em 1970. Conseguimos dois dias, em horários alternativos, para a estreia e uma apresentação... A estreia foi no dia 28 de fevereiro de 1971. Depois o espetáculo foi levado para muitos países, com Gustavo Gutiérrez como um dos atores principais.
E para finalizar mesmo, cabe o registro: quem estava lá na inauguração foi a então jornalista, professora-doutora e crítica literária Elga Pérez-Laborde, chilena, agora uma de nossas grandes amigas em Brasília!!! Homenagens para ela.
Obs. Quem aparece na capa desta 17ª. edição de Tu País está Feliz, em português, e versão em russo de Oleg Almeida, é... Gustavo Gutiérrez, aquele jovem estudante que estava no Maracanãzinho cinquenta anos atrás.
(Brasília, 28 de janeiro de 2018)
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